28.8.04



a nova ordem
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))) O fiasco dos Estados Unidos de Jefferson
expôs ao mundo os novos rumos do basquete



Como se esperava, Estados Unidos e Lituânia vão se bicar outra vez. Revanche para os americanos, acuados ainda na fase eliminatória pela mão certeira de Sarunas Jasikevicius, o armador que cravou sete bolas da linha de três antes de trocar farpas com o técnico Larry Brown. Palco armado, chegou a hora do acerto de contas, com um detalhe que pouca gente havia previsto:

A medalha em jogo brilha um pouco menos que o ouro.

A seleção certa vez chamada de Dream Team disputa hoje com os europeus um bronze de gosto amargo. O curso previsível do esporte apontava EUA e Lituânia como protagonistas da grande final em Atenas. Só faltou combinar com Manu Ginobili e Gianluca Basile, heróis de um torneio que, de previsível, não teve nada. Lá estão Argentina e Itália se estapeando pelo direito de ouvir o hino no pódio.

Haja o que houver no desfecho do torneio, este período de duas semanas na Grécia foi histórico. Para torcedores, críticos e dirigentes, a Olimpíada tornou-se útil em dois aspectos:

1) Saciar um sentimento de anti-americanismo um bocado justificável, acentuado pela arrogância de jogadores que se esbaldam a bordo de um navio na véspera da estréia.

2) Subverter, de uma vez por todas, a lógica do basquete internacional.

Como admirador desses abnegados que se matam para acertar uma bola laranja dentro de um aro, confesso que a segunda parte é a que me interessa.

Vamos a ela, pois.

Tudo funciona como um ciclo. Sem medo de enfiar a nova ordem goela abaixo dos incrédulos, caminhos recentes jogaram no mesmo saco a NBA e o resto do mundo. Até pouco tempo improvável, essa mistura foi tão chacoalhada que nasceu dail uma poção curiosa. Um foi obrigado a aturar o outro, pelo bem do esporte e dos interesses financeiros.

Daqui em diante, nada será como antes.

E a culpa, em grande parte, é de um americano chamado David Stern.

Movido por cifras astronômicas e pela vontade de entrar para a história, foi ele que insistiu em entupir a liga de estrangeiros. Promoveu intercâmbios, aboliu fronteiras, encurtou distâncias. Talvez sem se dar conta, o comissário foi brilhante na tarefa de fabricar adversários para seu país.

O problema é a diferença de mentalidade. Para vencer na NBA, os gringos se submetem a um árduo processo de adaptação. É lá que eles ganham o pão durante o ano, daí o esforço para se enquadrar no ambiente. A mão contrária não existe. Para vencer em terra estrangeira, os americanos julgavam que o talento bruto de segundo escalão era suficiente.

Bem, não era.

Quando chega a hora da Olimpíada, diversas equipes internacionais exibem líderes com experiência nos Estados Unidos. É a Argentina de Ginobili, a China de Yao Ming, a Espanha de Pau Gasol. Ao redor deles, os técnicos salpicam atletas que sabem jogar o tal basquete-Fiba. É o Jasikevicius da Lituânia, o Basile da Itália, o Ortiz de Porto Rico. E lá vão os americanos, sempre puro-sangue, descendo a ladeira.

Se Kobe, Shaq, Garnett, T-Mac e Kidd estivessem em Atenas, o resultado fatalmente seria outro. Com as grandes estrelas, não seria difícil atropelar os rivais, por mais fortes que fossem. Hoje, o primeiro escalão da NBA ainda é superior ao “resto do mundo”. Não sei até quando vai ser. Do jeito que a coisa anda, com Stern incansável até no desejo de incluir equipes européias na liga, fica difícil prever o futuro.

O que se sabe, por enquanto, é que o orgulho americano foi para o brejo. De uma vez por todas, caiu o mito. Do mais rico europeu ao mais pobrinho da América Central, todos aprenderam a não ter medo do bicho-papão.

Para os ianques, existe solução? Treinar uma seleção de amadores? Colocar a faca no pescoço dos medalhões? Não faltam idéias, mas talvez seja tarde. No ar gelado de algum escritório, David Stern deve estar pensativo, de bolso cheio, talvez até com um sorriso no rosto. Está feito o estrago.

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foto . cnn/sports illustrated

15.8.04



fracasso anunciado
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))) Odom, Marbury e o retrato da derrota


Quando o gigante Amare Stoudemire caiu de maduro após uma finta simples do franzino Carlos Arroyo, ficou nítido que alguma coisa estava fora da ordem. Corria o segundo quarto da estréia americana na Olimpíada de Atenas. Figura de terceiro escalão na NBA, o bravo armador de Porto Rico já havia construído, àquela altura, as bases de uma atuação heróica, que culminaria com um impensável placar de 92 a 73.

A favor da zebra, claro.

Enquanto Stoudemire se levantava e Arroyo festejava mais dois pontos, fiquei me perguntando, naquele momento, onde estariam Kidd, T-Mac, Kobe, Carter, Allen, Bibby, Garnett, Wallace, Martin, Brand, Malone, Hamilton, Shaq e Jermaine. Vendo pela TV, talvez. Por motivo de segurança, cansaço, contusão ou até casamento, todos eles estão longe da Grécia. Recusaram a convocação educadamente e partiram para merecidas férias.

Azar de Allen Iverson e Tim Duncan, que aceitaram o chamado e deram a cara para bater.

Sobrou para eles a missão de carregar nas costas o peso da tradição e driblar cães ferozes que dão o sangue para arrancar uma migalha qualquer dos Estados Unidos. Porto Rico conseguiu bem mais que isso. Liderou a partida do início ao fim e venceu de forma categórica. Uma sova de 19 pontos não deixa margem a dúvidas.

Ah, então a esquadra porto-riquenha é superior à americana? Claro que não. A ausência dos superastros não transforma os olímpicos ianques em atletas de meia tigela. Marbury, Odom, Jefferson, LeBron, Carmelo & Cia merecem algum crédito.

Por que, então, existe um risco tão grande de naufrágio? Há um conjunto de motivos.

1) O elenco é cheio de buracos. Para começar, falta um pivô autêntico. Perde-se a referência embaixo da cesta e os grandalhões adversários acabam levando vantagem, mesmo com menos habilidade. O ataque, portanto, se volta para o perímetro. E aí entra o segundo problema, talvez o maior de todos: não há bons arremessadores. São todos péssimos. Tudo bem que Kobe Bryant está enrolado com a Justiça, Ray Allen preferiu curtir a lua-de-mel e Tracy McGrady tem medo de terroristas. Sendo assim, que chamassem Allan Houston, Michael Redd ou qualquer outro que saiba chutar de média distância. No domingo, a pontaria foi desastrosa. Da linha dos três, foram 24 tiros e apenas três acertos. Assim, seria melhor levar o L.A. Clippers.

2) A escolha do técnico foi errada. Larry Brown é um dos melhores da NBA (na última temporada, sem dúvida foi o melhor), mas seu grande trunfo é a defesa. Foi assim que os Pistons surpreenderam o planeta e roubaram o título dos Lakers. Criar um ferrolho retranqueiro não é tarefa para curto prazo, principalmente com atletas de características ofensivas que jamais atuaram juntos. Elaborar um sistema vencedor leva tempo e requer carregadores de piano. Se a seleção está repleta de estrelas, seria mais prudente nomear um treinador que jogue para frente, garantindo pontuações elásticas que dificilmente seriam alcançadas pelos rivais.

3) A garotada não resiste à pressão. Iverson percebeu isso quase na metade do jogo e, diante do pânico dos colegas, tentou resolver sozinho, correndo a quadra toda em desespero. Quem acompanha a NBA sabe o que acontece quando o craque dos Sixers entra em parafuso. Chutou dez bolas de três e só acertou uma. Ele e Duncan somaram apenas 30 pontos. É pouco para um time de meninos.

A medalha de ouro continua lá, no horizonte, mas agora o estrago está feito. A derrota expôs feridas que precisam ser fechadas o quanto antes, de preferência até terça-feira, quando os adversários serão os donos da casa.

Talvez uma saída seja barrar o inoperante Richard Jefferson, fixar Lamar Odom na posição 3 e lançar Stoudemire ou Boozer (prefiro o primeiro) no time titular, para compor o garrafão ao lado de Duncan. Além disso, Brown precisa destacar alguém para armar as jogadas com calma, como fez Arroyo em Porto Rico. Iverson não sabe cumprir essa função, e Stephon Marbury é uma caixinha de surpresas. Crescem, portanto, as chances de Dwyane Wade.

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Como de praxe, a liga elegeu, ao fim da temporada, sua seleção com titulares, reservas e terceiro time. Dos 15 nomeados, 12 eram americanos, mas apenas Iverson e Duncan estão em Atenas.

Descaso é isso aí.


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Por falar em não-americanos, foi antológica a cesta de Manu Ginobili que selou a vitória da Argentina contra Sérvia-Montenegro. Desequilibrado e com o relógio indo embora, o guerreiro do San Antonio Spurs garantiu seu lugar na galeria olímpica de 2004.

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foto . cnn/sports illustrated