26.6.04



o trabalho sujo
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))) Baby chega a Toronto como carregador de piano


Quando o brasileiro Rafael Araújo foi anunciado no draft de Nova York, a reação foi imediata, bem longe dali, no Canadá. Atentos ao telão, torcedores se reuniram no ginásio do Toronto Raptors para avaliar a chegada dos calouros. Uns, desconfiados, tentavam manter o otimismo. Outros, mais radicais, vaiavam Baby sem piedade.

Cá entre nós, a reação é mais do que natural. A escolha do cartola Rob Babcock talvez tenha sido a mais surpreendente de toda a primeira rodada, o que mergulha a torcida em clima de desconfiança. Ainda mais quando o contemplado é um brasileiro, grandalhão e branco.

A expectativa do Toronto no draft se equilibrava entre um pivô e um armador. Como Ben Gordon, Shaun Livingston e Devin Harris já haviam sido escolhidos, a opção se voltou para um pivô com experiência universitária, capaz de entrar direto no time titular sem comprometer. É claro que o ideal seria ter bala na agulha para correr atrás de um Shaquille O’Neal, mas sabemos que os Raptors não conseguiriam nem um Erik Dampier.

Pois agora o único garrafão canadense da NBA pertence a um brasileiro.

Aos 23 anos, com 2.11m e 131kg, Araújo mal acreditou. A noite do draft resgatou lembranças de outra noite, a primeira nos Estados Unidos, quando o jovem forasteiro chorou copiosamente na solidão de um pequeno quarto na Universidade do Arizona. Trocar o cinza frenético de São Paulo por um deserto americano foi um movimento arriscado e rendeu momentos de dúvida intensa sobre o futuro.

Agora, o futuro chegou.

Com a camisa 55 dos Raptors, Baby engrossa a colônia de brasileiros na NBA. Com Ânderson Varejão aportando no Orlando Magic, somos cinco cabeças no melhor basquete do mundo.

Ufanismo à parte, é preciso cautela. Não dá para esperar do esforçado Rafael um papel de liderança no Canadá. Dividindo a quadra com Vince Carter, Jalen Rose e Chris Bosh, ele não vai brilhar como cestinha e raramente terá os holofotes no seu encalço. Isso ficou claro nas declarações de Babcock, logo após a seleção universitária.

“Ele vai fazer o trabalho sujo”, sentenciou o cartola. E o que isso significa? Ora, significa que Bosh terá um peão para trombar embaixo da cesta, liberando-o para a posição 4, sua favorita. Significa que o time ganhou um poste para fazer corta-luz a torto e a direito. Significa que cada disputa de rebote será travada como se fosse de vida ou morte.

Em resumo, significa que Baby entra na equipe como válvula de escape, com a missão de fazer o elenco principal render melhor.

Ainda assim, será uma bela escola para o brasileiro, que agora espera resolver suas pendências com a seleção e sonha um dia ser chamado para o All-Star Game na liga americana.

É bem provável que já esteja lá em fevereiro próximo, defendendo o time dos calouros.

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Fica difícil prever o futuro de Varejão antes da definição sobre a saída do craque Tracy McGrady, que pode causar uma revoada no elenco. A princípio, vejo o ex-ala do Barcelona em maus lençóis, tendo de disputar vaga com os Howards (Dwight e Juwan), além do promissor Drew Gooden.

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foto . nbae

23.6.04



perto da verdade
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))) A troca de Francis por McGrady está
saindo do terreno traiçoeiro dos boatos



Quando a temporada regular acabou, Tracy McGrady olhou para a campanha do Orlando Magic e viu um decepcionante 21-61. Sem perder tempo, avisou logo que cumpriria mais um ano de contrato e usaria a cláusula que o permite procurar novos ares em 2005. Preocupado com o risco de ver seu craque escapar sem deixar nada em troca, a diretoria da equipe foi a campo atrás de uma barganha satisfatória.

Com um medalhão desses dando sopa na praça, os telefones estão nervosos de uma costa à outra dos Estados Unidos. A imprensa, claro, disparou a central de boatos e saiu reproduzindo a torto e a direito qualquer possibilidade ínfima de negociação.

Passaram-se algumas semanas e o funil do tempo tratou de separar o joio do trigo.

Sobrou o Houston Rockets.

Certas empresas de comunicação evitam expor suas reputações a rumores inconseqüentes. É o caso da ESPN, que só costuma entrar na pista quando os indícios são confiáveis. Jim Gray, um dos profissionais mais gabaritados da casa, cravou com todas as letras na segunda-feira: o acordo entre Magic e Rockets está selado.

Ao que tudo indica, McGrady será embalado para presente ao lado de Juwan Howard, Tyronn Lue e Reece Gaines no caminho do Texas. Na contramão, o time da Flórida receberá Steve Francis, Cuttino Mobley e Kelvin Cato.

A única dúvida que ainda pairava no ar era o risco de o Charlotte Bobcats pescar uma das peças secundárias no draft de expansão. Não foi o caso. Ainda assim, a troca só deve ser anunciada após a seleção universitária de quinta-feira. O Orlando tem em mãos a primeira escolha e anda confabulando com a franquia novata da NBA.

Os cartolas do Magic se calam sobre o assunto e o empresário de Francis mandou avisar que ainda faltam alguns detalhes sem importância antes de assinar os papéis. O próprio jogador, no entanto, já fala como ex-funcionário do Houston: “Pensei que estávamos construindo algo de bom, mas esse tipo de coisa acontece. Não estou aborrecido”.

Em franca decadência, o Orlando está longe de ser o sonho da vida de Francis. Como não tem poder de veto e não goza da simpatia do técnico Jeff Van Gundy, o armador tratou de se conformar. Ainda assim, pediu uma compensação: quer Shaquille O’Neal como companheiro de time.

Talvez seja pedir demais.

Se há fogo na história, só vamos saber dentro de alguns dias. Mas a fumaça já começou a circular.

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Também interessado em T-Mac, o Indiana Pacers se recusou a incluir o temperamental Ron Artest na negociação. Aí ficou difícil.

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fotos . nbae


primeiros tijolos
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))) Mais de 500 torcedores prestigiaram
o draft de expansão ontem em Charlotte



Com a ninharia de US$ 5.8 milhões pingando na conta anualmente, o desajeitado Jahidi White encabeça a folha de pagamento do Charlotte Bobcats. Ávido por negociações frenéticas, Bernie Bickerstaff preparou o terreno. O mais novo cartola da NBA usou o draft de expansão para preencher suas fileiras com atletas baratos e dotados de um mínimo de potencial para evoluir no futuro.

É o caso dos jovens Theron Smith, Jason Kapono, JR Bremer, Tamar Slay e Pedrag Drobjnak, que passam a ocupar um lugar onde poderiam estar agora nomes de peso como Jerry Stackhouse, Kerry Kittles ou Antoine Walker.

Bickerstaff desprezou os medalhões com classe. Sabe que será mero saco de pancadas no campeonato de estréia, mas e daí? O que vale é construir a base sólida de uma franquia. Como ele vai fazer isso? Usando esse elenco flexível para negociar outros talentos e apostando todas as fichas no draft de amanhã, quando poderá fisgar Emeka Okafor ou Dwight Howard.

A estratégia parece nítida nas palavras do próprio dirigente, que participou de uma teleconferência na segunda-feira para explicar suas pretensões.

Confira os principais trechos.

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Quantas trocas você ainda pretende fazer até o fim desta semana?
Não tenho certeza, mas algo entre três e quatro. Temos alguma coisa encaminhada.

Que tipo de jogador lhe interessa agora?
Estamos procurando atletas jovens em busca de oportunidade para jogar. Gente que deseja obter mais minutos em quadra. Eles têm habilidade, são atléticos e talentosos, só precisam da oportunidade. É assim que se evolui. Não se pode evoluir por osmose, o rapaz tem de entrar em quadra e participar. Além disso, sabemos que estes atletas vão estar muito dispostos, até porque muitos deles só têm mais um ano de contrato.

Até o draft de quinta-feira, você vai negociar para obter mais uma ou duas escolhas?
Sim, estou tentando.

Como Drobnjak se encaixa em seus planos?
Quando começarmos a pensar nos planos futuros, a bola estará com ele. A oportunidade de jogar está aí. Ele tem um bom físico e sabe arremessar. Sabemos de sua capacidade e vamos fazer de tudo para impulsioná-lo rumo ao sucesso.

Na temporada de estréia, você vai tentar vencer o máximo possível de jogos ou vai se preocupar apenas em pavimentar o terreno para os anos seguintes?
O que devemos fazer é criar as bases para manter o sucesso do time. Para isso, precisamos de um grupo disposto a crescer em cima dessas bases. Eles têm de estar dispostos a crescer do ponto de vista defensivo, sem egoísmo.

Pretende trazer veteranos para o time?
Talvez dois ou três, como mentores da garotada. Eles vão entender que o show é dos mais jovens, vão aceitar o papel secundário, mas serão importantes para garantir um certo respeito da franquia na liga.

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))) White e Fizer são dois dos “veteranos”


Ontem, um dia depois da entrevista, Bickerstaff confirmou na prática tudo o que havia dito. Os experientes em questão (nem tão veteranos assim) são White, Drobjnak, Marcus Fizer e Gerald Wallace. Para quem ainda está por fora, aí vão os 19 Bobcats de primeira viagem:

PIVÔS
Primoz Brezec (Indiana)
Predrag Drobnjak (L.A. Clippers)
Jahidi White (Phoenix)
Loren Woods (Miami)

ALAS
Lonny Baxter (Washington)
Desmond Ferguson (Portland)
Marcus Fizer (Chicago)
Brandon Hunter (Boston)
Jason Kapono (Cleveland)
Zaza Pachulia (Orlando)
Aleksandar Pavlovic (Utah) *
Jamal Sampson (L.A. Lakers)
Theron Smith (Memphis)
Gerald Wallace (Sacramento)

ARMADORES
JR Bremer (Golden State)
Maurice Carter (New Orleans)
Richie Frahm (Seattle)
Tamar Slay (New Jersey)
Jeff Trepagnier (Denver)

* Pavlovic já foi negociado com os Cavs.

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Como curiosidade, vale conferir o resultado do draft de expansão anterior. Em 1995, Toronto Raptors e Vancouver Grizzlies escolheram os seguintes indivíduos:

RAPTORS
B.J. Armstrong (Chicago)
Tony Massenburg (L.A. Clippers)
Andres Guibert (Minnesota)
Keith Jennings (Golden State)
Dontonio Wingfield (Seattle)
Doug Smith (Dallas)
Jerome Kersey (Portland)
Zan Tabak (Houston)
Willie Anderson (San Antonio)
Ed Pinckney (Milwaukee)
Acie Earl (Boston)
B.J. Tyler (Philadelphia)
John Salley (Miami)
Oliver Miller (Detroit)

GRIZZLIES
Greg Anthony (New York)
Rodney Dent (Orlando)
Antonio Harvey (L.A. Lakers)
Reggie Slater (Denver)
Trevor Ruffin (Phoenix)
Derrick Phelps (Sacramento)
Larry Stewart (Washington)
Kenny Gattison (Charlotte)
Byron Scott (Indiana)
Gerald Wilkins (Cleveland)
Benoit Benjamin (New Jersey)
Doug Edwards (Atlanta)
Theodore Edwards (Utah)

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foto . espn.com

20.6.04



fechado para obras
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De ala a consultor técnico, Rudy Tomjanovich levou mais de três décadas para construir uma ligação umbilical com o Houston Rockets. Como atleta, lá estava ele em 1971, no primeiro jogo da franquia após se mudar de San Diego para o Texas. Nem ginásio próprio havia à época. Como treinador, foram 12 temporadas, sete viagens ao playoff e dois títulos. Como homem, teve a coragem de dar um passo atrás na luta contra o câncer, ao se afastar das quadras em maio de 2003 para reaparecer cinco meses depois, vitorioso e livre da doença.

O retorno ao basquete se desenha agora, não para o Houston, mas justamente para a equipe que eliminou os Rockets no mata-mata deste ano: o Los Angeles Lakers, órfão de Phil Jackson. Tomjanovich encabeça uma longa lista de candidatos a substituir o mestre-zen. No seu rastro, traz nomes como Pat Riley, George Karl, Jim Cleamons e Kurt Rambis.

O favoritismo, no entanto, é gritante.

“Fui procurado e estou interessado em discutir com os Lakers. Quero ouvir o que eles têm a dizer”, reconheceu o técnico, que tem encontro marcado com a diretoria do Los Angeles esta semana.

A saída de Jackson é o início de um desmanche anunciado, após a perda de um campeonato que parecia ganho. O estrago provocado pelo Detroit Pistons não se limitou ao resultado dentro da quadra. Os 4-1 na série final caíram como uma bomba nos escritórios da Califórnia.

Fiel escudeiro do treinador, Shaquille O’Neal se irritou e mandou avisar que também está de saída: “Se a franquia vai continuar nesse caminho errado, não quero mais fazer parte do grupo. Podem espalhar por aí que, se algum cartola estiver interessado num grandalhão com fome de títulos, basta procurar o diretor Mitch Kupchak e fazer a proposta”.

Bem, não será tão fácil assim.

O contrato de Shaq lhe garante uma pequena fortuna de US$ 29.5 milhões na próxima temporada, e US$ 32.4 milhões na seguinte. Ao fim do ano que vem, o pivô tem a opção de se desligar, o que cria uma armadilha para qualquer dirigente interessado em contar com suas trombadas no garrafão. Não vale a pena gastar tanto dinheiro (e se livrar de atletas equivalentes no plano financeiro) com o risco de perder tudo em apenas um ano.

Por isso, ao contrário do que diz O’Neal, a diretoria dos Lakers está no caminho certo. Livrar-se do pivô e do técnico significa capinar o terreno para a permanência de Kobe Bryant, que não se entendia com os dois.

Cá entre nós, Jackson é plenamente substituível e Shaq, aos 32 anos, tem pouco tempo de basquete pela frente. Faz muito mais sentido investir num fenômeno de 25 anos que segue subindo a ladeira e, desde já, tem sido apontado como legítimo sucessor de Michael Jordan.

Esperto, Kobe vai testar o mercado para se valorizar. Não vai se render a qualquer merreca para assinar os papéis. A diretoria do Los Angeles sabe disso e já começou a agir nos bastidores. Não hesitou em cortar na própria carne. Faz parte do sacrifício necessário para reconstruir a franquia.

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Kupchak, que também não é bobo, deu a entender que só negociaria o passe de O’Neal com times da conferência Leste. A notícia chegou ontem ao centro de treinamento do Orlando Magic, que se encheu de esperança, apesar das cifras traiçoeiras. É claro que tal possibilidade só seria viável com a saída de Tracy McGrady. Como Kobe e T-Mac se equivalem, uma terceira equipe teria de entrar na conversa.

Mas aí a especulação começa a ficar muito nebulosa, então paremos por aqui.


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A temporada de rumores está aberta. Ansiosos para faturar algum, empresários de jogadores começam a espalhar por aí que seus clientes interessam a este ou àquele time. O resultado é uma rede interminável de possíveis negociações. Sabemos que boa parte do falatório não passa de balela, então me sinto no dever de avisar: não esperem ver neste espaço a reprodução desenfreada do disse-me-disse.

Para quem sabe um pouco de inglês e acredita no conto do vigário, indico duas centrais de boataria de primeira linha: a do HoopsHype e a da CBS.


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O campeonato 2003-2004 chegou ao fim e, como de hábito, o Rebote passa a ter atualização semanal até o início da pré-temporada, em setembro. Estarei por aqui aos domingos e nas edições extraordinárias. Esta semana, por exemplo, temos dois drafts: o de expansão (terça) e o universitário (quinta). Não faltará assunto. O fórum na caixa de comentários, por sinal, continua aberto diariamente.

Obrigado pela companhia, e fiquem à vontade.


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foto . cnn/sports illustrated

16.6.04






o campeão mordido
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))) Hamilton ergue o prêmio pela superação


“Cara, estamos no topo do mundo”.

Chauncey Billups, o mesmo que havia prometido chocar o planeta, só precisou de uma frase curta para traduzir em palavras uma trajetória épica. Quando a última sirene da temporada selou o título do Detroit Pistons, os jogadores pareciam entorpecidos. Estavam todos lá, no topo do mundo, mas guardavam certa distância da euforia que descia elétrica das arquibancadas.

Foi uma festa mordida.

Saltos acrobáticos e gritos de campeão foram trocados por abraços longos, emocionados, quase enraivecidos. Contido na celebração, o elenco soube saborear o triunfo, mas apertou na garganta o desabafo que certamente explodiu mais tarde, na intimidade do vestiário.

Os abnegados que lotaram o Palace de Auburn Hills ao longo dos últimos três jogos testemunharam uma das maiores sagas de superação da história das finais. Apinhado de estrelas, o Los Angeles Lakers não coube dentro da própria autoconfiança. Perdeu tempo avaliando quem seria a estrela da série, quais eram as possibilidades de uma varrida e quantos jogos seriam gastos até a chegada inevitável do troféu. Não é assim que se ganha um campeonato.

O balaio de divagações egoístas foi devidamente rasgado por um azarão que atravessou as finais com a faca entre os dentes. Cientes de que perderiam feio no terreno individual, os Pistons deram o sangue por cada rebote, calibraram a mira em cada arremesso, trancaram o cadeado do garrafão em cada ataque dos Lakers.

Mais que isso: tiveram humildade suficiente para seguir à risca a sabedoria do homem da prancheta.



Kevin Garnett que me desculpe, mas Larry Brown é o verdadeiro MVP da temporada 2003-2004. Sem alarde, este sujeito fez um trabalho digno de artesão. Lapidou cada peça de um elenco sem brilho e comandou um pequeno exército capaz de arrancar a taça das mãos do colega Phil Jackson. Brown sabe que um esquema defensivo como o do Detroit não se desenha da noite para o dia. Custa tempo, suor, sacrifício, paciência para lubrificar as engrenagens.

A campanha do título começou há quatro anos, em agosto de 2000, quando Grant Hill foi para Orlando e abriu espaço no elenco para o então modesto Ben Wallace. Choveram críticas de gente apressada, que não esperou o pivô razoável se transformar no monstro da área pintada. Chegou a ser simbólica a atuação de Wallace ontem, no desfecho da série, com 18 pontos e 22 rebotes, sendo 10 ofensivos.

Sabe-se, contudo, que um pivô trombador não ganha campeonato sozinho. Por isso o Detroit teve de esperar dois anos para adicionar a segunda peça fundamental ao seu elenco. Numa sábia 23ª escolha do draft de 2002, incluiu em suas fileiras o jovem Tayshaun Prince, verdadeiro Kobe-stopper.

Um mês depois, era a vez de o guerreiro Billups aportar em Michigan. Mais críticas, mais descrédito. Ninguém acreditava que aquele armador atarracado seria capaz de guiar a franquia para algum lugar decente. Ontem, no Olimpo do basquete, ele ergueu o troféu de MVP das finais em homenagem à mesma torcida que fez ressalvas à sua contratação.

Em setembro de 2002, o volume de pichações triplicou com a chegada de Richard Hamilton. Aqui mesmo no Rebote, cravei que o negócio era péssimo para o Detroit e ótimo para o Washington, que recebia o habilidoso Jerry Stackhouse. Hoje Stack amarga o ostracismo e Rip pode se orgulhar de ser a centelha ofensiva que faltava para a conquista.

Larry Brown chegou exatamente um ano depois de Hamilton. Ali começou a capinar o terreno. Redesenhou o ótimo esquema de Rick Carlisle, mexeu peões com maestria e deu novo fôlego a uma equipe que parecia estagnada.

O golpe de mestre da diretoria veio em 19 de fevereiro deste ano, não por coincidência a data-limite para trocas na NBA. Novamente sob críticas, os Pistons pescaram o marginal Rasheed Wallace, que acabava de passar por uma enriquecedora experiência de um jogo em Atlanta.

Tinha tudo para dar errado. E deu certo.

Rasheed garantiu a dose extra de garra que o grupo procurava. A dupla de Wallaces compôs o melhor garrafão da liga e criou as bases para uma defesa instransponível, capaz de executar arte da melhor qualidade sem a bola nas mãos.

Sem Brown, os Wallaces não seriam nada. Sem a pegada da defesa, Billups e Hamilton fracassariam no ataque. Sem o esquema azeitado, Prince correria o risco de desaparecer. E sem atletas de alto nível, Brown amargaria mais um ano de derrotas.

Ou seja, em Detroit há uma corrente inquebrável que começa na mente brilhante do cartola Joe Dumars e só termina no último reserva, o desengonçado Darko Milicic. O resultado é um sistema coeso e vitorioso, no qual um depende do outro.

Separados, não seriam nada.

Juntos, estão lá, no topo do mundo.

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Parabéns ao Detroit, campeão incontestável, e parabéns também ao Los Angeles, que superou adversários fortíssimos no Oeste. Bater Spurs e Wolves em seqüência não é tarefa para qualquer um. Na reta final, a equipe deu o azar de ver o fracasso de suas estrelas secundárias. Na hora de abocanhar o tão desejado título, Malone e Payton sumiram. O primeiro, por contusão. O segundo, por incompetência mesmo. Máscara, talvez.

O fato é que não podemos crucificar os dois. Se não fosse a ajuda da dupla, os Lakers provavelmente teriam tombado pelo caminho. Chamá-los de mercenários é o cúmulo da injustiça, afinal eles abriram mão de salários astronômicos na luta por um título. A estratégia é polêmica, mas que jogador não almeja um troféu? Resta saber se vão mesmo bater à porta do Detroit pedindo um emprego para o ano que vem. Seria engraçado.


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foto . cnn/sports illustrated

14.6.04



na ante-sala da glória
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))) Os Lakers só têm mais uma chance para frear o
ímpeto de Wallace e impedir a façanha dos Pistons



Incansáveis na missão de virar a lógica do avesso, Brown, Billups, Hamilton, Prince e os Wallaces conseguiram o que nem o analista mais inconseqüente havia previsto. A um passo do paraíso, o Detroit Pistons acaba de cooptar a estatística como aliada na corrida pelo título. A questão, na verdade, não é o fato de nenhum time ter conseguido, até hoje, virar uma final após estar perdendo por 3-1. Tabus estão aí para serem atropelados e, no universo ímpar da NBA, tudo pode acontecer. O problema é que, aos meus olhos, salvo algum surto de miopia, o Los Angeles Lakers não parece muito disposto a quebrar a escrita e entrar para a história.

Nitidamente descontrolados, os jogadores perdem uma eternidade de tempo no esforço mesquinho de peitar os juízes e trocar farpas internas. Deveriam canalizar toda a energia na complicada tarefa de superar um grupo focado cegamente na linha reta que leva ao troféu.

Contra a maré, o gigante Shaquille O’Neal teve ontem uma performance explosiva, com 36 pontos e 20 rebotes. Para o azar dele, o basquete não é um esporte individual. E o companheiro Kobe Bryant sucumbiu ao franzino Tayshaun Prince, acertando apenas oito de 25 arremessos.

Tão ávidos pelo anel de campeão, Gary Payton e Karl Malone estão fazendo de tudo para enterrar os próprios sonhos. É frustrante ver dois atletas de primeiro nível chafurdando em atuações tão bisonhas. Malone ainda tem a desculpa do joelho avariado, mas o que dizer de Payton? Ele, que já esteve lá, devia saber que as finais exigem superação. Pois escolheu logo este momento para exibir seu pior basquete.

O leitor mais atento há de notar que o banco de reservas foi pífio, somando apenas nove pontos. Ora, o do Detroit foi pior ainda, com oito. A diferença se fez na qualidade dos titulares. É das estrelas que o Los Angeles precisa. E elas andam sumidas.

Rip Hamilton nem foi tão brilhante, mas manteve a cabeça fria para converter seus sete lances-livres. Fantástico nos dois extremos da quadra, Chauncey Billups deu mais um passo para ser o MVP das finais. Prince teve lá seu quinhão defensivo, Ben Wallace cumpriu sua meta no garrafão e o homônimo Rasheed, bem, este foi o melhor de todos. Com 26 pontos e 13 rebotes, o bad boy segue saboreando a vingança pelas pancadas que levou dos Lakers no passado.

O sucesso se repete fora das quatro linhas. Em frente ao banco, Larry Brown mantém o nó tático apertado e castiga o colega Phil Jackson. Nas arquibancadas, a torcida garante o espetáculo. Se for para ganhar o título, que o Detroit ganhe logo amanhã, para evitar a perversidade que seria celebrar a conquista longe dos fãs. Essa gente que lota as poltronas do Palace não merece ver a festa por um telão.

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Recém-saídas da manutenção, as bolas de cristal agora mostram o título caindo no colo da conferência Leste. A prudência, contudo, recomenda esperar mais um pouco. Não dá para enterrar os Lakers antes da última sirene.

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foto . nbae

12.6.04



pausa para respirar
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))) Okafor: sonho do Charlotte


Enquanto a NBA toma fôlego para o jogo 4 entre Pistons e Lakers, o Rebote aproveita para dar uma escapada das finais. Só por hoje, falaremos de Bobcats, draft, negociações e afins.

Amanhã voltamos à programação normal.


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))) O Charlotte Bobcats já escolheu um nome para ser a pedra fundamental do elenco que construirá este ano: o jovem Emeka Okafor, da Universidade de Connecticut. Como a nova franquia tem a quarta escolha do draft, os dirigentes partiram para a ação. Fizeram uma proposta de troca ao Orlando Magic, dono da primeira seleção. Além do quarto escolhido, estão dispostos a abrir mão do melhor jogador pescado no draft de expansão. Reboteiro e bloqueador de mão cheia, Okafor é uma espécie de Ben Wallace com 21 anos e sem black power.

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))) Para o draft de expansão, cada equipe tem o direito de proteger oito intocáveis, expondo o restante à prateleira do Charlotte. Pelos rumores que andam circulando na liga, a turma da sobra será liderada por Antoine Walker, Jerry Stackhouse e Kerry Kittles. Algumas listas já foram enviadas.

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))) O draft tradicional está marcado para o dia 24 deste mês, com Magic, Clippers, Bulls, Bobcats e Wizards nas cinco primeiras posições. O site NBADraft prevê que os cinco primeiros calouros serão Okafor (C/PF), Dwight Howard (PF), Luol Deng (SF), Shaun Livingston (PG) e Josh Childress (SG). Os brasileiros que entram na hipotética lista são Rafael Araújo (16º, Jazz), Anderson Varejão (26º, Kings) e Marcelinho Huertas (54º, Heat).

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))) Apontado como principal candidato a reforçar as fileiras do Brasil na NBA, Tiago Splitter está inclinado a adiar o sonho por um ano. O motivo foi o fiasco no treinamento feito na tarde de ontem, diante de diversos olheiros da liga. Além de errar arremessos e lances-livres em profusão, o jovem Tiago mostrou que precisa ganhar massa muscular para trombar com os grandalhões americanos. Ao que parece, a missão ficou para 2005.

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))) Ainda se recuperando de uma cirurgia no tornozelo, Troy Hudson decidiu continuar sua carreira longe de Minnesota. O empresário do armador confirmou que o passe do cliente está à disposição de possíveis interessados. Vale lembrar que Hudson fez muita falta aos Wolves nos playoffs, principalmente após a lesão de Sam Cassell. Tem condições de sobra para ser titular em muito time por aí.

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))) Depois de relutar, Rick Carlisle admitiu que o talento emergente de Al Harrington é um problema a ser resolvido. Revelação do Indiana Pacers, o atleta teria exigido uma vaga entre os titulares na próxima temporada. Pode acabar sendo trocado. Esperto, John Paxson já entrou no circuito para fazer de Chicago o destino de Harrington em 2004-2005.

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))) Este período é um terreno fértil para rumores infundados, mas três deles parecem sérios: Kobe Bryant, Tracy McGrady e Vince Carter estão realmente dispostos a mudar de uniforme.

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))) Deu no Orlando Sentinel: cinco times mostraram forte interesse em Grant Hill. Inacreditável.

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foto . nbae

11.6.04



o gigante frágil
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))) O Detroit de Billups encontrou espaço


Em nenhum momento houve silêncio nas belas arquibancadas do Palace de Auburn Hills. Mais de 22 mil fanáticos lotaram as poltronas e fizeram barulho do início ao fim, sem trégua. Quando terminou a partida, a euforia ganhou ares inéditos na grande final da NBA. Pela primeira vez podemos cogitar, sem tirar os pés no chão, uma possibilidade até então descartada: o troféu deste ano pode, sim, repousar numa galeria do Leste.

Os 20 pontos que separaram Pistons e Lakers na noite de quinta-feira deixaram claro que o gigante Golias anda seriamente ameaçado pelo pequeno David. A defesa incansável que limitou Kobe Bryant a míseros 11 pontos subiu um degrau no olimpo do basquete e provou ser capaz de operar milagres.

Já é possível vislumbrar, ainda que num horizonte nebuloso, a turma de Detroit erguendo a taça.

Apresso-me em explicar que ainda considero o Los Angeles favorito. De leve, mas considero. O que me inibe a mudar de lado é a fórmula da final. O sistema 2-3-2 dá imensa vantagem a quem tem mando de quadra. Vejam só este caso. Mesmo perdendo uma das duas primeiras partidas em casa, os Lakers só precisam vencer uma das três seguintes para garantir a decisão em seus domínios.

Parece-me óbvio que o time comandado por Phil Jackson não vai tombar triplamente em Michigan. Basta arrancar uma vitória no domingo, por exemplo, para reaver a tranqüilidade na série. Ou alguém duvida que o Staples Center pegaria fogo em hipotéticos jogos 6 e 7? No frigir dos ovos, continuo vendo os Pistons diante de um desafio indigesto.

A novidade é que já não duvido deles.

A sova de ontem rasgou o manto que envolvia o Oeste numa proteção quase sagrada. Apostar num primo pobre como o Detroit era motivo para lançar o palpiteiro no rol dos ignorantes. Era praticamente um sacrilégio. Agora não é mais.

A guerra está aberta e qualquer prognóstico corre o risco de parecer débil antes do embate crucial de domingo. Até lá, Payton tem três dias para despertar do sono profundo; Malone pode descansar o joelho doente; Jackson vai queimar um bocado de neurônios para driblar as armadilhas do rival; Billups e Hamilton estudarão um jeito de repetir a performance ofensiva; Larry Brown vai continuar polindo os tijolos de sua muralha intransponível.

Do nosso canto, vamos esperar com paciência budista. Tenho certeza de que valerá a pena.

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Numa série como esta, Kobe Bryant só tem direito a uma folga. Foi ontem. Daqui para frente, precisa voltar a ser o gênio que conhecemos, sob pena de ver o gigante tombar diante do anão.

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Quem freqüenta o Rebote sabe que a caixa de comentários é o nosso salão nobre. Ali pulsa o sangue que mantém o site vivo há quase dois anos. Portanto não faz sentido que, justamente no momento mais glorioso da temporada, leitores passem a trocar xingamentos a torto e a direito, prejudicando quem está disposto a embarcar numa discussão saudável. A provocação faz parte do jogo e é muito bem-vinda, desde que não ultrapasse os limites do respeito. É triste resvalar na censura, mas pela primeira vez me sinto obrigado a interferir. A partir de hoje, qualquer comentário com ofensas ou declarações de baixo nível será sumariamente apagado. Sinto muito.

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foto . cnn/sports illustrated

9.6.04



milagre em hollywood
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))) Kobe cravou um tiro cinematográfico


Dois segundos e três pontos separavam o Los Angeles Lakers de um fosso sem volta nas finais da NBA. Para enquadrar o curso da história, bastou um leve passo para trás e um tiro certeiro. De longe, pareceu fácil. Depois daquilo, placar empatado, a prorrogação seria mera formalidade.

Quem estava com os olhos grudados na TV deve ter encarado a cena como um dos momentos mágicos do basquete. Na verdade, foi muito mais que isso.

Cada jogada deste calibre significa um pedaço a mais numa estrada que vem sendo cuidadosamente construída há oito anos. Cada chute genial como o de ontem é um tijolo a menos no muro que separa Kobe Bryant de Michael Jordan.

Sim, é para lá que ele caminha.

Veja bem, eu escrevi “caminha”. Para chegar ao destino e se igualar ao mestre, faltam quilômetros e mais quilômetros. Faltam muitos lances como o de ontem. Faltam pelo menos mais três títulos. O embalo para o quarto caneco, no entanto, não falta mais.

O fenômeno de ontem se equipara, no quesito entusiasmo, ao jogo 5 contra o San Antonio Spurs, quando Derek Fisher eliminou qualquer resquício de lógica para cravar um arremesso espírita. Dali em diante, o Los Angeles parecia ligado na tomada.

Contra os Pistons, rascunha-se um desafio mais indigesto. Com a série empatada, as próximas três escalas serão em Detroit, e vale lembrar que o aguerrido time do Leste já conseguiu roubar o mando de quadra. Será campeão se vencer três vezes seguidas em seus domínios.

Alguém crê nesta hipótese?

Talvez nem Joe Dumars.

A turma de Phil Jackson persegue pelo menos um triunfo fora de casa para levar a série de volta ao Staples Center. Furar a defesa adversária é osso duro de roer. Para arrancar um resultado positivo em terreno inimigo, será preciso derrubar os Wallaces, frear Rip e Billups, conter a garra de Prince, embaralhar o esquema de Larry Brown.

Infelizmente para os Lakers, os Pistons têm tudo isso. Infelizmente para os Pistons, os Lakers têm Kobe Bryant. E às vezes é o que basta para decidir uma partida. Foi assim ontem, quando o craque anotou 33 pontos, incluindo o tiro histórico da linha de três que mandou o jogo para a prorrogação.

“Foi provavelmente o maior arremesso da minha carreira”, sentenciou Kobe, emendando a previsão para o desenlace da guerra: “É briga de cachorro grande. Ninguém disse que ia ser fácil”.

Se fosse fácil, não teria graça.

Perguntem a Jordan.

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Na hora do chute fatídico, não era Prince quem marcava Bryant. Era Rip Hamilton, nitidamente mais fraco como marcador. A troca de posições foi o auge de um colapso no sistema defensivo do Detroit, que deixou a equipe frágil nos últimos minutos do jogo.

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Com três pontos à frente, a tática me parecia um tanto óbvia: esperar o relógio correr um pouco e, antes que algum adversário se posicionasse para o tiro de longa distância, fazer uma falta em Shaquille O’Neal ou Luke Walton. Ainda que os dois lances-livres fossem convertidos, a vantagem estaria mantida. Aparentemente avesso ao hack-a-Shaq ou ao hack-a-Luke, Larry Brown pagou para ver.

Viu um feito histórico de Kobe.


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GALERIA DE FOTOS


O torpedo – visão 1

O torpedo – visão 2

A explosão

A vibração

A seqüência

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foto de abertura . cnn/sports illustrated

7.6.04



planeta chocado
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))) Billups cumpriu a profecia e venceu


Sábado foi um dia de frases proféticas. Duas delas saíram da boca do técnico Larry Brown, em meio ao bate-bola dos Pistons na véspera do jogo 1 em Los Angeles. A primeira veio em tom de constatação: “Em toda a liga, não existe um jogador mais dominante que Shaquille O’Neal, assim como não existe um jogador melhor que Kobe Bryant”.

No domingo, vimos que o técnico do Detroit estava certo: Shaq marcou 34 pontos e pegou 11 rebotes, enquanto Kobe anotou 25 pontos e quatro roubadas.

A segunda frase veio em três tópicos, com jeito de receita. “Precisamos evitar o acúmulo de faltas; temos de converter grandes arremessos; não podemos permitir cestas fáceis”.

Dito e feito. Nenhum jogador do Detroit passou de três faltas; os arremessos decisivos vieram um atrás do outro; a defesa parecia uma muralha.

Com experiência de sobra, o treinador sabia que a vitória só seria possível se o mundo conspirasse a favor dos Pistons. É aí que entra a terceira frase do sábado, não de Brown, mas do atarracado Chauncey Billups. Foi a mais profética de todas:

“Estamos prontos para chocar o planeta”.

Graças ao próprio Billups, o planeta está devidamente chocado. Diante de um Gary Payton atônito, o armador foi a centelha ofensiva que marcou a diferença na partida de ontem. Com 22 pontos, comandou um elenco equilibrado, capaz de surpreender até o mais crédulo dos torcedores.

Acredite se quiser, o Detroit venceu. Passeou no jogo, quebrou o encanto dos Lakers, roubou o mando de quadra e mostrou que pode fazer frente ao poderoso rival da conferência Oeste.

E agora?

Bem, agora estamos diante de duas possibilidades. Uma é a repetição da final de 2001, quando o MVP Allen Iverson aprontou das suas e o Philadelphia 76ers faturou o jogo 1 no Staples Center. Em seguida, foram quatro vitórias avassaladoras do Los Angeles, que fechou a tampa em 4-1 e garantiu o bicampeonato sem sobressaltos. Alguém aí acredita que a história possa se repetir?

Eu, não.

Então vamos à segunda possibilidade, que é uma série bem disputada, centrada na defesa e se arrastando por seis ou sete partidas. Para os Lakers, o duelo de terça-feira será de vida ou morte. Perder de novo significa deixar o troféu escapar pelos dedos. E mesmo empatando o confronto, serão três embates seguidos em Michigan. Osso duro de roer.

O fato é que Phil Jackson precisa fazer a turma acordar. Ontem, o desânimo no vestiário era assustador. Atropelado pelo fracasso, Karl Malone murmurava num canto que a culpa era dele. “Não tentei arremessos, não criei situações para os outros atletas, joguei como um calouro”, lamentava, em clima de velório.

O Carteiro tem boa parcela de responsabilidade na derrota, mas não está sozinho no naufrágio. À exceção de Kobe e Shaq (fantásticos), o time inteiro amarelou. Entre os coadjuvantes, o cestinha foi Devean George, com míseros cinco pontos. Os outros foram igualmente inúteis: Malone (4), Payton (3), Fisher (2), Medvedenko (2), além dos zerados Fox e Rush. Uma vergonha.

Para se ter uma idéia, Ben Wallace anotou nove pontos e foi apenas o quinto maior pontuador do Detroit. Billups contou com a ajuda preciosa de Rasheed (14), Rip (12) e Prince (11). Pensando bem, nem dá para dizer que os 12 pontos de Richard Hamilton foram preciosos. O craque dos Pistons falhou quando mais se esperava dele.

E nem assim o Los Angeles conseguiu vencer.

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Para quem não prestou atenção, a última Pesquisa Rebote confirmou o que se esperava: a relação dos Lakers com a torcida é pautada quase exclusivamente no amor e no ódio. Entre os 230 votantes (recorde absoluto por aqui), 90 disseram que amam a franquia e outros 90 afirmaram que a odeiam. Apenas 15 se declararam indiferentes.

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foto . cnn/sports illustrated

6.6.04



resumo da ópera
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))) A final da NBA está nas mãos de Kobe e Hamilton


Fôlego retomado após quatro dias de descanso, a nata do basquete mundial volta a abrir suas cortinas hoje à noite. Das 29 franquias que largaram em outubro do ano passado, só duas continuam de pé. De olho no troféu que leva o nome de Larry O'Brien, Lakers e Pistons iniciam logo mais o embate definitivo, o último desafio, o creme da temporada.

Parece que as finais da NBA foram buscar inspiração há 16 anos, quando o showtime de Magic Johnson, James Worthy e Kareem Abdul-Jabbar enfrentou o agressivo Detroit de Dennis Rodman, Rick Mahorn e Bill Laimbeer. Os personagens são outros, mas o confronto de estilos é quase idêntico. Naquela ocasião, os torcedores lotaram o Fórum de Inglewood e o Pontiac Silverdome para ver uma série eletrizante. O duelo se estendeu por sete partidas, até que um triple-double de Worthy deu o título aos Lakers.

Agora, os cenários são diferentes. Bem mais modernos, o Staples Center e o Palace de Auburn Hill estão prontos para sediar as finais de 2004.

Será que a história vai se repetir com mais um título para as fileiras da Califórnia?

Para avaliar uma batalha como esta, repleta de estrelas nos dois lados da quadra, a cautela recomenda ir por partes. Bola de cristal a postos, o Rebote passa a limpo os duelos individuais antes de dar seu veredicto.

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))) SHAQUILLE O’NEAL x BEN WALLACE

Alguém se arrisca a apartar esses monstros? Embaixo da cesta, os dois pivôs mais dominantes da liga vão se engalfinhar numa trombada de conseqüências imprevisíveis. Mesmo longe do melhor de sua forma, Shaq costuma se agigantar nas finais. Um Wallace não é o bastante para contê-lo, e o Detroit terá de lançar mão dos dois xarás. O Big Ben não tem estatura suficiente para impedir os arremessos curtos do rival e tampouco goza de habilidades ofensivas capazes de tirar o armário angelino do garrafão. Com O’Neal perto do aro nas duas extremidades da quadra, os Pistons terão problemas no ataque e na defesa.

))) KARL MALONE x RASHEED WALLACE

Após superar um longo ano de luta contra lesões, Malone sabe que chegou perto demais de seu primeiro título para jogar fora a oportunidade. O bom trabalho contra Tim Duncan e Kevin Garnett dá ao veterano confiança de sobra para incomodar nas finais. Sheed, contudo, vem em grande fase e tem agora uma missão complexa: ajudar o homônimo na marcação dupla em cima de Shaquille e evitar que Malone tenha espaço para chutar de média distância.

))) DEVEAN GEORGE x TAYSHAUN PRINCE

O ala do Detroit é outro com missão duplicada na série. Na defesa, ficará responsável por marcar Kobe Bryant. No ataque, será marcado por George, ponto fraco do quinteto adversário. Ou seja, para equilibrar as ações no coletivo, precisa levar vantagem em todos os jogos. A inconstância de Prince diante dos Pacers não pode se repetir agora, sob pena de uma varrida impiedosa. O anônimo Devean pode ter seus momentos de azarão, aproveitando que o esforço defensivo dos Pistons estará inteiramente concentrado nos medalhões.

))) KOBE BRYANT x RICHARD HAMILTON

Contra o Indiana, Rip deu uma canseira em Reggie Miller. Se fosse no Brasil, seria enquadrado no Estatuto do Idoso. Tal facilidade está descartada diante de Kobe, um defensor muito mais ativo que o veterano Miller. O problema é que Hamilton geralmente faz o adversário correr de um lado para o outro o tempo todo. Precavido, Phil Jackson deve fazer um rodízio de marcação e poupar as pernas de Bryant para o ataque. Em todo caso, este é o fiel da balança para as finais. São os dois atletas mais habilidosos em quadra, capazes de cravar arremessos decisivos e desequilibrar os jogos. Vai sair faísca.

))) GARY PAYTON x CHAUNCEY BILLUPS

O baixinho veterano dos Lakers tem missão idêntica à de Malone: conseguir um anel de campeão no apagar das luzes de sua carreira. Antes disso, terá de frear o ímpeto de Billups, que joga um basquete ao mesmo tempo físico e sofisticado. O armador do Detroit sabe forçar as infiltrações e chutar de fora. Terá de usar mais a segunda opção, já que o garrafão adversário estará congestionado.


))) O BANCO

1. No garrafão: Quem precisa de Darko Milicic? Mehmet Okur e Elden Campbell são suficientes para superar Brian Cook, Luke Walton e Stanislav Medvedenko. Os grandalhões reservas do Detroit terão papel fundamental na defesa e no ataque, enquanto os californianos provavelmente ficarão relegados a um discreto segundo plano.

2. No perímetro: Aqui a disputa é acirrada, com pequena vantagem para os Lakers. Derek Fisher, Kareem Rush e Rick Fox são perigosos, principalmente os dois primeiros, que atravessam excelente fase. Contra eles, Mike James, Linsey Hunter e Corliss Williamson terão de se desdobrar.

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))) POR QUE OS LAKERS BATEM OS PISTONS?



Nos duelos individuais, deu 3-2 para o Detroit, mas Kobe e Shaq fazem a diferença. No geral, a superioridade do Los Angeles é cristalina, sem contar a experiência do elenco. Há de vencer o melhor time, é assim que funciona. Creio que o percurso para o quarto título em cinco anos não será tão fácil como pensam alguns torcedores mais empolgados. A série, no entanto, não deve chegar a sete partidas.

Um 4-2 Lakers está de bom tamanho.

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foto . nbae

2.6.04



a festa do cartola
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))) Dumars ergue a recompensa pelo investimento


Quando a chuva de papel picado desabou, a justiça estava feita. No Palace de Auburn Hills, o primeiro a tocar no troféu de campeão do Leste foi um sujeito baixinho, de fala mansa, recluso em vestes discretas. Ninguém mereceu mais essa conquista do que o incansável Joe Dumars.

Acostumado a um período em que o Detroit Pistons vivia imerso em glórias, o ex-armador aceitou o desafio de pilotar a franquia de dentro de um escritório. No elenco, fez movimentos sutis, porém cirúrgicos. Mexeu nas peças certas e coroou sua atuação em fevereiro, na data-limite para trocas, quando adicionou o marginal Rasheed Wallace às fileiras de Michigan.

Se um Wallace já incomodava muita gente, dois foram capazes de levar o time à final da NBA. Sheed e Ben trancaram o garrafão como nenhuma outra equipe da liga, mas não atuaram sozinhos. Foi louvável o esforço do cartola ao apostar em novos talentos como Tayshaun Prince e Mehmet Okur, assim como a ousadia de poupar o calouro Darko Milicic.

Para equilibrar seu brilhante esquema retranqueiro, o técnico Larry Brown liberou o habilidoso Richard Hamilton para comandar o ataque. Contra o Indiana Pacers, Rip foi fantástico. Nada se compara, no entanto, ao que vai ser exigido dele no embate contra os Lakers.

Conquistar o título talvez seja um passo maior que a perna. Não importa. Dentro daquela camisa simples de mangas curtas, Dumars certamente tem a sensação do dever cumprido. Parabéns a ele, e que venha a grande final.

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foto . nbae

1.6.04



los angeles, hora do rush
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))) Com a mão calibrada, o jovem Kareem apontou
para o passado e conduziu os Lakers à grande final



Corriam meados de 1980 quando um certo Kareem alcançou a glória. Após meia década de batalha incansável sem ter chegado a uma final de NBA, o gigante Abdul-Jabbar finalmente conseguiu ser campeão com a camisa 33 do Los Angeles Lakers. O sabor do título ele já havia experimentado com o Milwaukee Bucks, mas aquele era o primeiro de uma série de cinco troféus que o pivô ergueria ao lado do inigualável Magic Johnson, marcando um período de euforia sem precedentes na Califórnia.

Naquele mesmo ano, vejam vocês, nascia em Kansas City um outro Kareem. Franzino e bem mais baixo que o homônimo famoso, o garoto penou um bocado nas quadras da escola de Pembroke e só ganhou alguma evidência quando já cursava a universidade de Missouri. Insistente, foi selecionado pelo Toronto Raptors na 20ª posição do draft de 2002, inscrevendo o sobrenome Rush nas fileiras da NBA. O destino, sempre atento, tratou de mandá-lo logo para Los Angeles, trocado pelo também novato Chris Jefferies.

Ontem, a história de dois Kareems, tão díspares dentro do mesmo uniforme amarelo, encontrou um breve ponto de interseção. Assim como Abdul-Jabbar em 1980, Rush conseguiu carimbar seu passaporte para a final da NBA. Ainda que por uma noite, saiu de quadra festejado como herói.

Como se estivesse possuído, o jovem Kareem pulou do banco e fez de seu anonimato um trunfo. Enquanto o adversário se desdobrava para marcar os famosos Kobe, Shaq, Payton e Malone, o rapaz de 23 anos desandou a cravar arremessos de três pontos, um atrás do outro, matando lentamente o bravo Minnesota Timberwolves.

Foram seis tiros em seqüência, sem um erro sequer, seguidos de um chute torto que só serviu para quebrar a estatística perfeita. Perfeição, claro, é coisa para Abdul-Jabbar, não para Rush. Sua glória pode ter se resumido a apenas um jogo, mas time com pinta de campeão é assim mesmo: sempre tem um coadjuvante abusado para roubar a cena.

Saiu das mãos calibradas de Rush o arremesso que deu à equipe a vantagem de 71-68, enquanto corria o quarto período. Dali para frente, os Wolves só comeram poeira. Na reta final da partida, vieram mais duas estocadas de três para decretar a singela diferença entre um time de gente grande e um time de garotos: no Los Angeles Lakers, até os garotos jogam como gente grande.

Kareem Abdul-Jabbar deve ter aplaudido com entusiasmo, provavelmente sem perceber que iniciou sua dinastia à frente dos Lakers no mesmo ano em que nascia aquele moleque.

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No Staples Center, a cena é sempre a mesma. Até o fim do terceiro quarto, tudo parece possível. Quando a bola quica para o último período, o ginásio se transforma e passa a conspirar a favor do time da casa. Kobe Bryant e Shaquille O’Neal se embolaram com o excesso de faltas, mas e daí? Foi no momento mais crítico que o quinteto de Los Angeles jogou com bravura de campeão, sem medo de partir para cima do adversário, convertendo os lances mais improváveis, como manda o figurino de quem caminha nos trilhos do título.

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Garnett, Sprewell, Hassell, Szczerbiak, Hoiberg, Johnson, Madsen, todos estão de parabéns. Na hora da verdade, o Minnesota teve o azar de não poder contar com o endiabrado Sam Cassell, tampouco com seu reserva natural, Troy Hudson. A dupla fez muita falta, mas a franquia deixa a temporada de cabeça erguida e conformada, com a sensação de que não conseguiria mesmo derrotar os Lakers, com ou sem o elenco completo.

Cá entre nós, parece que ninguém consegue.


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Encontrar semelhanças entre Rush e Abdul-Jabbar custou uma madrugada de pesquisa, mas valeu para mostrar como o basquete é capaz de produzir coincidências saborosas através dos tempos.

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foto . cbs/sportsline