16.6.04
o campeão mordido
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))) Hamilton ergue o prêmio pela superação
“Cara, estamos no topo do mundo”.
Chauncey Billups, o mesmo que havia prometido chocar o planeta, só precisou de uma frase curta para traduzir em palavras uma trajetória épica. Quando a última sirene da temporada selou o título do Detroit Pistons, os jogadores pareciam entorpecidos. Estavam todos lá, no topo do mundo, mas guardavam certa distância da euforia que descia elétrica das arquibancadas.
Foi uma festa mordida.
Saltos acrobáticos e gritos de campeão foram trocados por abraços longos, emocionados, quase enraivecidos. Contido na celebração, o elenco soube saborear o triunfo, mas apertou na garganta o desabafo que certamente explodiu mais tarde, na intimidade do vestiário.
Os abnegados que lotaram o Palace de Auburn Hills ao longo dos últimos três jogos testemunharam uma das maiores sagas de superação da história das finais. Apinhado de estrelas, o Los Angeles Lakers não coube dentro da própria autoconfiança. Perdeu tempo avaliando quem seria a estrela da série, quais eram as possibilidades de uma varrida e quantos jogos seriam gastos até a chegada inevitável do troféu. Não é assim que se ganha um campeonato.
O balaio de divagações egoístas foi devidamente rasgado por um azarão que atravessou as finais com a faca entre os dentes. Cientes de que perderiam feio no terreno individual, os Pistons deram o sangue por cada rebote, calibraram a mira em cada arremesso, trancaram o cadeado do garrafão em cada ataque dos Lakers.
Mais que isso: tiveram humildade suficiente para seguir à risca a sabedoria do homem da prancheta.
Kevin Garnett que me desculpe, mas Larry Brown é o verdadeiro MVP da temporada 2003-2004. Sem alarde, este sujeito fez um trabalho digno de artesão. Lapidou cada peça de um elenco sem brilho e comandou um pequeno exército capaz de arrancar a taça das mãos do colega Phil Jackson. Brown sabe que um esquema defensivo como o do Detroit não se desenha da noite para o dia. Custa tempo, suor, sacrifício, paciência para lubrificar as engrenagens.
A campanha do título começou há quatro anos, em agosto de 2000, quando Grant Hill foi para Orlando e abriu espaço no elenco para o então modesto Ben Wallace. Choveram críticas de gente apressada, que não esperou o pivô razoável se transformar no monstro da área pintada. Chegou a ser simbólica a atuação de Wallace ontem, no desfecho da série, com 18 pontos e 22 rebotes, sendo 10 ofensivos.
Sabe-se, contudo, que um pivô trombador não ganha campeonato sozinho. Por isso o Detroit teve de esperar dois anos para adicionar a segunda peça fundamental ao seu elenco. Numa sábia 23ª escolha do draft de 2002, incluiu em suas fileiras o jovem Tayshaun Prince, verdadeiro Kobe-stopper.
Um mês depois, era a vez de o guerreiro Billups aportar em Michigan. Mais críticas, mais descrédito. Ninguém acreditava que aquele armador atarracado seria capaz de guiar a franquia para algum lugar decente. Ontem, no Olimpo do basquete, ele ergueu o troféu de MVP das finais em homenagem à mesma torcida que fez ressalvas à sua contratação.
Em setembro de 2002, o volume de pichações triplicou com a chegada de Richard Hamilton. Aqui mesmo no Rebote, cravei que o negócio era péssimo para o Detroit e ótimo para o Washington, que recebia o habilidoso Jerry Stackhouse. Hoje Stack amarga o ostracismo e Rip pode se orgulhar de ser a centelha ofensiva que faltava para a conquista.
Larry Brown chegou exatamente um ano depois de Hamilton. Ali começou a capinar o terreno. Redesenhou o ótimo esquema de Rick Carlisle, mexeu peões com maestria e deu novo fôlego a uma equipe que parecia estagnada.
O golpe de mestre da diretoria veio em 19 de fevereiro deste ano, não por coincidência a data-limite para trocas na NBA. Novamente sob críticas, os Pistons pescaram o marginal Rasheed Wallace, que acabava de passar por uma enriquecedora experiência de um jogo em Atlanta.
Tinha tudo para dar errado. E deu certo.
Rasheed garantiu a dose extra de garra que o grupo procurava. A dupla de Wallaces compôs o melhor garrafão da liga e criou as bases para uma defesa instransponível, capaz de executar arte da melhor qualidade sem a bola nas mãos.
Sem Brown, os Wallaces não seriam nada. Sem a pegada da defesa, Billups e Hamilton fracassariam no ataque. Sem o esquema azeitado, Prince correria o risco de desaparecer. E sem atletas de alto nível, Brown amargaria mais um ano de derrotas.
Ou seja, em Detroit há uma corrente inquebrável que começa na mente brilhante do cartola Joe Dumars e só termina no último reserva, o desengonçado Darko Milicic. O resultado é um sistema coeso e vitorioso, no qual um depende do outro.
Separados, não seriam nada.
Juntos, estão lá, no topo do mundo.
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Parabéns ao Detroit, campeão incontestável, e parabéns também ao Los Angeles, que superou adversários fortíssimos no Oeste. Bater Spurs e Wolves em seqüência não é tarefa para qualquer um. Na reta final, a equipe deu o azar de ver o fracasso de suas estrelas secundárias. Na hora de abocanhar o tão desejado título, Malone e Payton sumiram. O primeiro, por contusão. O segundo, por incompetência mesmo. Máscara, talvez.
O fato é que não podemos crucificar os dois. Se não fosse a ajuda da dupla, os Lakers provavelmente teriam tombado pelo caminho. Chamá-los de mercenários é o cúmulo da injustiça, afinal eles abriram mão de salários astronômicos na luta por um título. A estratégia é polêmica, mas que jogador não almeja um troféu? Resta saber se vão mesmo bater à porta do Detroit pedindo um emprego para o ano que vem. Seria engraçado.
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foto . cnn/sports illustrated
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