23.1.05



o exemplo vivo
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))) Wilkens e uma cena que não se repetirá


Alô Romário, presta atenção. Pede para alguém te traduzir o noticiário da NBA desta semana e repara que esportista de elite precisa saber a hora de parar.

Aos primeiros sinais de decadência, o lendário Lenny Wilkens não pensou duas vezes e tirou o time de quadra. Agiu rápido para não comprometer uma carreira fantástica. Cortou pela raiz o recente acúmulo de derrotas que manchava a campanha mais vitoriosa de um técnico da NBA em todos os tempos. E olha que, à frente do banco de reservas, ele nem precisava do físico em dia para render em alto nível. Aos 67 anos, com ralos cabelos brancos, Wilkens poderia estar em plena forma.

Mas não estava.

Manter sob comando o instável elenco do New York Knicks é tarefa para gente grande. Com Isiah Thomas no escritório e Wilkens rabiscando as pranchetas, veio a esperança de que a franquia poderia engrenar. O problema é que a realidade resolveu enfiar o pé na porta.

Na viagem aos Estados Unidos, em novembro, pude conferir ao vivo a primeira partida em casa da equipe na temporada. Foi uma estréia trágica, com o Boston Celtics aplicando um massacre em pleno Madison Square Garden. Na salinha ao lado do vestiário, vi de perto um Wilkens arrasado, tentando catar explicações para o vexame. Em voz baixa, ele repetia que "os rapazes precisam entender o que é defesa".

Pelo jeito, ninguém entendeu, e o próprio técnico acabou sugado pelo clima de incompetência. Fez uma besteira atrás da outra e não conseguiu criar nada de interessante tendo em mãos o inegável talento de Marbury, Houston, Crawford, Penny e Ariza. Chegou a desenhar jogadas bisonhas para Nazr Mohhamed em momentos decisivos. Perdeu jogos, foi criticado, começou a se desmoralizar.

Na sexta à noite, veio o último fracasso, mais uma vez diante da própria torcida. Contra o Houston Rockets, a punhalada final surgiu no último segundo, com arremesso de Scott Padgett. Antes de a bola cair, a sirene ingrata selou a nona derrota em 10 rodadas.

Aí caiu a ficha.

Wilkens deve ter dado uma olhada no currículo e percebeu que não precisava se queimar daquela maneira. Festejado por sua história, ele consegue a proeza de ser o técnico que mais venceu (1.332) e também o que mais perdeu (1.115) no basquete americano. Foi campeão em 1979 com o Seattle Supersonics e comandou a seleção dos EUA na Olimpíada de Atlanta, em 1996, quando os ianques ainda ganhavam medalhas de ouro. Disputou o All-Star Game nove vezes e, claro, acabou no Hall da Fama.

Diante disso, a solução foi simples: chamar Isiah Thomas num canto e dizer tchau. A conversa é que não foi tão simples assim. Levou tempo e incluiu uma série de ponderações. Além de honrar o restante do contrato (US$ 10 milhões nos próximos dois anos), o cartola ainda ofereceu um cargo na diretoria. Wilkens ficou de pensar, mas agora só quer saber da família. No repouso do lar, terá lembranças de sobra para curtir com a mulher e os filhos.

Assim como Romário também teria, se decidisse sair de cena.

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foto . cnn/sports illustrated

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