25.11.03



a traição do corpo
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))) Enfim, o atleta foi derrotado pela doença


Tocou o telefone na casa de Jason Kidd. Era noite de domingo e, no outro lado da linha, Alonzo Mourning encadeava as frases em voz baixa, nitidamente atingido pelo desânimo. O que o pivô tinha para falar ilustrava o momento mais dramático em seus 12 anos de carreira. As palavras saíam devagar, tentando convencer um interlocutor incrédulo de que a doença renal havia batido o gigante.

Aos 33 anos, a aposentadoria se impôs à força. Com as funções comprometidas, os rins gastos exigem um transplante. O sofrimento interno, contudo, não impediu que Alonzo se despedisse do basquete dando mais uma lição de ética e companheirismo: ao telefone, ele não chorava o fracasso do próprio corpo; desculpava-se, sim, por se ver forçado a abandonar o barco quatro meses após ter convencido Kidd a ficar em New Jersey, na utopia palpável de formar um elenco campeão.

Foram apenas 12 partidas defendendo o atual bicampeão do Leste. A volta da doença era um risco calculado, não chega a pegar ninguém de surpresa. Os três últimos campeonatos foram de altos e baixos, mais baixos que altos, mais ausências que presenças. E justamente agora, quando pairava a fina esperança da cura pelo esporte, o acaso do organismo prega mais uma peça. A pior delas.

No rastro de Alonzo Mourning, sai de cena um tipo de pivô escasso na NBA de hoje. Da velha escola que alia técnica e força na medida certa, sobrou apenas um arremedo de Dikembe Mutombo. Tal como ele, Patrick Ewing, David Robinson e Hakeem Olajuwon vão deixar saudades. Está definitivamente inaugurada uma era de trogloditas como Ben Wallace, que passam longe da técnica primária, mas vão garantir um lugar na história pela capacidade rara de trombar no garrafão, apanhar rebotes e distribuir tocos.

Assim é também Shaquille O’Neal, que não sabe jogar basquete, mas se destacou da plebe porque, além dos rebotes e dos tocos, soube como poucos usar os quilos generosos para enfiar a bola na cesta. Shaq não é nenhum garoto, daqui a pouco vai embora. Ficaremos, então, torcendo para que a dinastia renasça em Yao Ming, ou que pelo menos os alas disfarçados rendam frutos com Jermaine O’Neal e seus asseclas.

Voltando a Mourning, pivô clássico, é triste constatar que a semana da despedida tenha sido marcada pelo insulto cruel de Kenyon Martin e Richard Jefferson durante os exercícios físicos. Quem tem colegas de time tão debochados não precisa de adversário. Pois agora, com o leite derramado, Martin tenta se fazer de bom moço:

“No calor do momento, você diz coisas que não queria dizer. Nada vai apagar o que falei, mas já pedi desculpas.”

Nossa, que comovente.

É claro que Alonzo aceitou as desculpas. É típico dos grandes atletas, dos grandes homens. Principalmente aqueles que passam por dramas pessoais e aprendem que mágoa só serve para piorar as coisas.

Martin pode ficar tranqüilo. O sujeito lento que não conseguia completar o treino já foi embora. Na frieza dos números, não vai fazer muita falta. Na história do basquete, será uma perda irreparável.

A Mourning, sorte para enfrentar a fase adversa. Sorte para encontrar um doador. Sorte no transplante. E sorte para, quem sabe, assim como Sean Elliott, ainda voltar às quadras com um rim novinho em folha.

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Por falar em história, a nossa reserva um capítulo especial para esta noite. Se Nenê entrar em quadra para enfrentar Leandrinho, teremos o primeiro duelo de brasileiros numa partida oficial da NBA. E o melhor: ao vivo, na TV, a partir da meia-noite.

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foto . cnn/sports illustrated

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