27.3.03



INVEJÁVEL CARTÃO DE VISITAS




LeBron provou que os elogios
não eram exagero da crítica




Por algum motivo que supera meu entendimento, sempre mantenho um pé atrás diante de qualquer unanimidade. Nelson Rodrigues já explicou tal raciocínio, alegando que o consenso geral é invariavelmente burro. Foi com essa idéia fixa que eu me acomodei no sofá ontem à noite para ver LeBron James em ação. Tranquei na gaveta todos os elogios que a imprensa derramou nos últimos meses e deixei martelar, na minha cabeça, uma voz implicante: “Isso é oba-oba de americano, o moleque não deve ser lá essas coisas”.

Apenas dois minutos foram suficientes para que eu me rendesse.

Com 40 segundos de jogo, LeBron estava dentro do garrafão, sem a bola. Num piscar de olhos, deu um drible de corpo que deixou o marcador atônito, saltou no terceiro andar e completou com estilo uma belíssima ponte aérea. Logo depois, mostrou a mesma habilidade do outro lado da ponte. Quase na lateral da quadra, sem olhar, executou um passe cirúrgico que terminou na enterrada de um companheiro.

Bandeira branca, por favor. O garoto é bom demais.

Num esforço inútil, tentei me convencer de que tudo é mais fácil num episódio festivo. Afinal, ninguém vai se preocupar com marcação no All-Star Game do basquete colegial. Tudo isso é verdade. Ainda assim, LeBron aprontou o suficiente para justificar a badalação da crítica. Vale lembrar que, mesmo em noite de festa, os adversários eram de alto nível. Estava reunida na Gund Arena a nata do segundo grau, gente que paira bem acima da média dos adolescentes que foram atropelados durante a temporada.

Após o impacto inicial, a partida seguiu seu rumo aternando bons e maus momentos. Faltando cinco minutos para o fim, o fenômeno voltou a mostrar serviço numa seqüência de três lances incríveis: uma enterrada de costas digna de Vince Carter; um toco na defesa que terminou em bandeja no contra-ataque; e um lindo vôo para completar uma ponte aérea. Tudo isso em pouco mais de 30 segundos. A torcida, acostumada a ver naquele palco os fracassos do Cleveland Cavaliers, entrou em êxtase.

Em 1981, quando Michael Jordan anotou 31 pontos neste mesmo evento, os organizadores decidiram aposentar a camisa 23. LeBron, que veste esse número em homenagem a Jordan, foi obrigado a procurar uma segunda opção. Escolheu o 32, que um dia pertenceu a Magic Johnson. E o ex-craque dos Lakers foi devidamente honrado.

O repertório de passes espetaculares fez lembrar os tempos de showtime em Los Angeles. Longe de ser egoísta, o garoto serviu de escada para o resto do time em vários momentos. Além de seus 27 pontos, 7 rebotes e 7 assistências, ele chamou para o jogo colegas como Charlie Villanueva, James Lang e Chris Paul. A excelente atuação, claro, foi premiada com o troféu de MVP. Só deve ter decepcionado os ingênuos que esperavam algo como 50 pontos e 10 tocos.

LeBron tem talento de sobra para pular a faculdade e encarar de vez os profissionais. Resta saber quanto tempo vai levar até se adaptar totalmente à NBA. A turma que sai do segundo grau quase sempre gasta um ou dois anos antes de explodir. Foi assim com Kobe Bryant, Tracy McGrady e Jermaine O’Neal. Mas já que entramos no terreno das hipóteses, não custa apostar numa carreira de estrondoso sucesso. Nelson Rodrigues que me desculpe, mas esta unanimidade acaba de ganhar mais um adepto.

(Foto – ESPN.com)

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