12.3.03



O CORPO EM SEGUNDO PLANO




O'Neal é um dos vários jogadores que
atuam sob o efeito de medicamentos




Quando o assunto é basquete, torcedores e críticos geralmente pensam em belas infiltrações, enterradas espetaculares, tocos agressivos e arremessos no último segundo. É esse o filé mignon do esporte. Enquanto os atletas suam o uniforme dentro das quadras, pouca gente se preocupa com o que acontece fora delas. A não ser por uma ou outra ocorrência na delegacia, a vida pessoal dos astros raramente vira notícia. Os bastidores, no entanto, revelam questões vitais que deveriam ser mais discutidas.

Não estou falando de fofocas. Pouco importa se fulano traiu a mulher ou se beltrano está de caso com a moça da bilheteria. Refiro-me a assuntos mais graves. Foi com esse espírito que Marty Burns, colunista do site da Sports Illustrated, publicou ontem excelente artigo sobre um tema que parece corriqueiro, mas está causando uma polêmica danada nos vestiários e nas enfermarias da NBA.

Até que ponto os jogadores podem se entupir de remédios para vencer a dor de uma contusão?

Para a discussão entrar em pauta, bastou que Shaquille O’Neal estivesse no centro dela. O gigante de Los Angeles admitiu, há um mês, que só consegue atuar em seu melhor nível movido a antiinflamatórios, por conta das lesões no joelho e no pé. Anteontem, ele mudou o discurso, garantindo que não precisa mais desse combustível extra. Ninguém acreditou, claro.

Muitos atletas não reconhecem publicamente, mas só conseguem enfrentar a temporada de 82 jogos à base de medicamentos. A maratona é intensa e os músculos, em geral, não resistem. A situação é pior com os mais velhos e mais pesados (caso de Shaq). Desde a inofensiva Aspirina até drogas mais fortes, como a Indocina, os remédios passaram a fazer parte do cotidiano dos jogadores, como se fossem um item a mais na alimentação.

Os médicos entraram no circuito para afirmar que o uso contínuo em altas doses pode causar diversos problemas de saúde, prejudicando inclusive o funcionamento dos rins. Alonzo Mourning e Sean Elliott, que sofrem deste mal (Elliott chegou a fazer um transplante), usavam antiinflamatórios com freqüência. Ambos acreditam que uma coisa pode estar relacionada à outra, apesar de não haver prova científica.

A liga está dividida. Uma parte prefere cuidar do corpo e a outra acha que tudo é muito normal. Fred Hoiberg, do Chicago, evita abusar da medicina. “Por um lado, é o seu trabalho. Por outro, você sabe que pode ter efeitos a longo prazo. Minha mulher espera um par de gêmeos e eu quero continuar vivo para vê-los crescer”, justificou.

Opiniões como essa encontram resistência especialmente entre o pessoal das antigas. O próprio Phil Jackson, com toda sua sabedoria budista, criticou O’Neal há um mês, quando o pivô não quis tomar injeções e acabou ausente do confronto contra o Houston Rockets de Yao Ming. O técnico chegou ao cúmulo de insinuar que a doença de Shaq era uma espécie de “Minguite”. A torcida de Los Angeles também não gostou nem um pouco de ver seu ídolo adiando o embate com o chinês só por causa de uma “dorzinha” no pé.

George Karl, treinador do Milwaukee Bucks, foi outro que saiu em defesa da dopagem, alegando que tomou esses remédios durante toda a sua carreira e nada lhe aconteceu. Nesses momentos, fica difícil andar na contramão. Se até os mais experientes se recusam a dar o exemplo, valorizando mais uma vitória do que a saúde dos atletas, cabe à direção da NBA ao menos fazer uma recomendação pública. David Stern, tão zeloso com a disciplina, não pode ignorar esta polêmica e ficar em cima do muro.

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Quem quiser ler (em inglês) o texto de Marty Burns, pode clicar aqui.

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(Foto - Noren Trotman/NBAE)

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