16.4.03



O ÚLTIMO VÔO




Hoje à noite, o rei do basquete entra
em quadra para se despedir dos fãs




“Daqui a dez anos, quando meus filhos estiverem crescidos, vou me lembrar do tricampeonato e terei em meu rosto um sorriso de orgulho.”

Com essa frase, dita à beira da quadra em 1993, Michael Jordan resumiu a emoção de ter conquistado seu terceiro título com a camisa do Chicago Bulls. Poucos minutos antes, a mão certeira de John Paxson havia silenciado a America West Arena com uma bela cesta de três que enterrou as esperanças do Phoenix de Charles Barkley na série final.

Pois os dez anos enfim passaram. O ginásio dos Suns continua de pé, Barkley virou comentarista, Paxson acaba de assumir a gerência dos Bulls e os filhos de Jordan, já crescidos, certamente viverão um momento especial hoje à noite. Afinal, não é todo dia que um pai se despede das quadras carregando o título de melhor jogador da história.

Bem, no caso de Jordan essa cena não chega a ser novidade. Mas, ao que tudo indica, dessa vez é para valer. Às 20h, quando subir a bola para Washington Wizards e Philadelphia 76ers, os súditos terão a derradeira oportunidade de apreciar o mestre em ação. A partir de amanhã, a glória de 15 temporadas ficará cuidadosamente armazenada em videoteipe.

Não importa se a camisa azul pesa menos que a vermelha; se a explosão atlética ficou pelo caminho; se o arremesso já não é tão suave. Hoje é dia de celebrar o passado. Numa rodada de 13 jogos, a briga por posições nos playoffs tornou-se uma questão menor. Todos os olhos estarão voltados para um homem que falhou na missão de levar sua equipe à próxima fase. Quem liga para esse deslize? O legado de sucessos é tão vasto que os raros fracassos nem fazem efeito. Basta olhar para trás.

Lembro-me bem daquela série contra o Phoenix. Foi ali que percebi estar diante de um gênio. Já havia acompanhado os dois títulos anteriores, quando Lakers e Blazers foram as vítimas. Mas o estalo (não sei por que motivo) só veio na batalha de 93, após o disparo de Paxson, o triunfo em território inimigo e os gritos alucinados de Luciano do Valle na Bandeirantes, num tempo em que a TV a cabo era um sonho distante. Em meio aos chuviscos que insistiam em poluir a tela, finalmente notei um time predestinado a construir sua dinastia em torno de um atleta fora-de-série. Não deu outra. Os três campeonatos seguintes concederam aos Bulls um carimbo de excelência na década de 90.

Qualquer jogador da NBA se enche de orgulho quando vive uma noite de herói. Pois Jordan acumulou dezenas delas. Como se não bastassem as alegrias dadas à torcida do Chicago, ele se mostrou generoso ao desfilar seu repertório de lances incríveis por todo o país.

Em 1986, no lendário Boston Garden, anotou 63 pontos numa partida de playoff, registrando um recorde que até hoje não foi quebrado. Três anos depois, em Cleveland, também no mata-mata, presenteou a torcida dos Cavaliers com a jogada que mais tarde foi apelidada de “O Arremesso”: nos segundos finais, pulou para o chute decisivo na cabeça do garrafão e, parado no ar, esperou Craig Ehlo descer para soltar a bola vencedora.

Quando voltou de sua primeira aposentadoria, em 1995, Jordan só precisou de cinco partidas para mostrar que ainda podia fazer a diferença. Em pleno Madison Square Garden, marcou 55 pontos e deu um passe perfeito para Bill Wennington definir a vitória. No jogo 6 da Final de 1998, em Utah, estrelou outro momento histórico. Primeiro, bateu a carteira de Karl Malone para, nos últimos segundos, caminhar até a quadra adversária, driblar magistralmente Bryon Russell e, quase na linha de três, acertar o arremesso que lhe rendeu o sexto título.

A cereja do bolo, no entanto, foi saboreada ao vivo por uma torcida apaixonada no Chicago Stadium, durante o segundo embate da decisão de 1991, contra o Los Angeles de Magic Johnson. Jordan partiu para a infiltração e subiu para a bandeja quando A.C. Green surgiu à sua frente, ansioso por um toco. No ar, o astro dos Bulls passou a bola da mão direita para a esquerda, girou o corpo para evitar o contato com o marcador e converteu a cesta. Talvez tenha sido o lance mais reprisado pela televisão em toda a história do basquete.

O texto já vai chegando ao fim e sequer mencionamos os cinco troféus de MVP, os dez anos seguidos como cestinha da liga, os 13 All-Star Games, os 28 triple-doubles, os 842 jogos consecutivos pontuando em dígitos duplos, as nove eleições para o time de defesa da temporada, o bicampeonato de enterradas e as duas medalhas de ouro olímpicas.

Perto de um retrospecto desses, as façanhas de Kobe Bryant, Tim Duncan e Tracy McGrady parecem coisa de criança. Os novos talentos ainda têm muita estrada pela frente e, quem sabe, um dia podem chegar lá. Por enquanto, convém manter o respeito. O homem está saindo de cena. Desde já, o esporte fica mais triste.

::::::::

O MESTRE EM IMAGENS:


Os 63 pontos contra o Boston

Show nas enterradas em 1988

Em 1991, o primeiro título

O melhor lance da carreira

O duelo contra Barkley em 1993

Voando sobre Penny Hardaway

Enterrando em cima de Mutombo

O arremesso decisivo em 1998

Último jogo pelos Bulls no United Center

A longa parceria com Scottie Pippen

Já em Washington, contra Pippen

Momento de alegria na casa nova

::::::::

(Foto de abertura - Nathaniel S. Butler/NBAE)

Nenhum comentário: